A pergunta que ninguém faz (mas deveria)
Os propósitos do ensino trazem inicialmente uma questão fundamental: Qual é o objetivo final da educação? Não o objetivo declarado nos documentos oficiais, mas a verdadeira razão de ser de qualquer sistema de ensino. Antes de criticarmos os métodos ou os conteúdos, precisamos cavar mais fundo e questionar: para que serve isso? O que queremos que nossos alunos se tornem? A resposta nunca é neutra. Ela é carregada de intenções, visões de mundo e, acima de tudo, de valores.
O currículo oculto: A ideologia invisível por trás dos fatos
Por trás de toda lição de matemática, de todo livro de história, existe um “currículo oculto”. Este não é um plano de aula secreto, mas o conjunto de pressupostos, valores e crenças que dão forma e significado aos fatos que são ensinados. A educação nunca é uma simples transmissão de dados objetivos. Ela é, por natureza, uma atividade interpretativa.
A ilusão do Iluminismo — a crença de que podemos ser observadores totalmente imparciais, destituídos de subjetividade — é exatamente isso: uma ilusão. Seres humanos não funcionam assim. Nós operamos com base em objetivos, propósitos e um entendimento prévio do que consideramos significativo, valioso e verdadeiro. Portanto, toda educação, consciente ou não, está impregnada de uma “religião”, seja ela o materialismo ateísta, o consumismo ou um ativismo político. Negar essa realidade é ser ingênuo. A questão não é se há um currículo oculto, mas qual currículo oculto está sendo transmitido.
A busca por significado: O vácuo que clama por preenchimento
O ser humano é um animal que busca significado. Quando uma sociedade rejeita estruturas tradicionais de sentido — como as religiões clássicas —, ela não deixa de ter religião; ela simplesmente a substitui. O vazio é preenchido por novos credos. O professor que, em um ato performático, expõe sua vida pessoal aos alunos em busca de “autenticidade” não está agindo sem propósito. Pelo contrário, ele está, de forma desesperada, trazendo ao público o significado que ele mesmo interiorizou. Em um mundo que ele vê como caótico e sem sentido inerente, ele assume o papel de profeta de sua própria verdade, muitas vezes sob a forma de uma ideologia radical.
Isso explica a paixão dos “novos ateus”. Se o universo é realmente um acidente sem propósito, por que se importar se os outros acreditam em “ilusões”? A resposta é que eles precisam se importar. A busca por significado e a defesa daquilo que se acredita ser verdadeiro são impulsos humanos fundamentais. Ninguém é um mero transmissor de dados; somos todos evangelistas de nossa própria visão de mundo.
A ascensão da fábrica: Quando a educação se tornou treinamento
Um dos currículos ocultos mais influentes da modernidade foi moldado pela Revolução Industrial. Com o advento da produção em massa, o que a sociedade passou a valorizar como “bem” foi a eficiência, a produção e o consumo.
A educação, por sua vez, foi redesignada para servir a essa nova máquina social. Seu propósito deixou de ser a formação do caráter e do intelecto — o ideal clássico — e se tornou a produção de bons trabalhadores e consumidores.
A pergunta central mudou de “Que tipo de pessoa você deve se tornar?” para “Que trabalho você vai fazer?”. A educação se tornou um trampolim para uma carreira, um meio para se ganhar dinheiro, sobreviver e prosperar dentro do sistema econômico. A mobilidade social, uma conquista inegável, paradoxalmente reforçou essa mentalidade, pois a escola se tornou o lugar onde você “se prepara para o mercado” e descobre “o que você vai ser quando crescer”.
O exílio das humanidades: Quando a beleza não é produtiva
A consequência mais trágica dessa mentalidade produtivista foi o exílio das humanidades. A literatura, a filosofia, a arte — disciplinas que não ensinam a fazer algo, mas sim a ser alguém — perderam seu lugar ao sol. Elas não produzem tecnologia, não geram lucro direto e não treinam para uma função específica. Seu valor é intrínseco: são boas para a alma, expandem a empatia, conectam-nos com a experiência humana através do tempo e do espaço.
Em uma sociedade obcecada pela utilidade, não sabemos o que fazer com algo que é “apenas” belo e profundo. Então, as humanidades são frequentemente reduzidas a ferramentas. Tornam-se veículos para o ativismo político, porque pelo menos assim elas se tornam “úteis” para uma causa, para “fazer” alguma coisa. Perdemos a capacidade de simplesmente nos deleitarmos com o conhecimento e a beleza por seu próprio valor, confirmando que, em nosso currículo oculto moderno, o que não é produtivo é descartável.
